Bristol Bristol: Quando um homem de 84 anos em Hong Kong foi ao hospital com uma próstata aumentada, os médicos ficaram surpresos ao ver que sua pele – e até mesmo o branco dos olhos – havia ficado cinza prateado. Uma investigação mais profunda revelou depósitos de prata permeando seus tecidos, tornando-o uma tonalidade mais frequentemente reservada à ficção científica.
Longe de ser uma estranheza única, em 2007 a imprensa descreveu Paul Karason como um “homem azul” depois de ele ter tentado curar problemas de sinusite e de pele ingerindo uma solução caseira de cloreto de prata – e há muitos outros exemplos.
Estes casos marcantes revelam uma verdade profunda: os nossos corpos podem exibir resíduos daquilo que consumimos. O ditado “você é o que você come” geralmente se refere à saúde e nutrição em geral, mas essa frase pode ser surpreendentemente literal quando nossa pele adquire cores inesperadas.
Os casos acima ilustram exemplos dramáticos da condição conhecida como argiria, na qual partículas de prata se acumulam no corpo.
A prata já foi um pilar em tratamentos médicos por suas propriedades antimicrobianas. Mas as evidências modernas mostram que consumir ou absorver demasiado pode transformar a pele de uma forma que raramente desaparece. Na argiria, os íons de prata circulam pela corrente sanguínea e ficam incrustados na derme, uma camada abaixo da superfície onde o corpo não consegue eliminá-los facilmente. Esta é a camada onde residem os pigmentos da tatuagem.
Fenômeno semelhante, embora mais raro, é a crisíase, na qual depósitos de ouro infiltram-se na pele. Historicamente, as terapias à base de ouro eram ocasionalmente prescritas para distúrbios inflamatórios e, em alguns casos, os pacientes que receberam esses tratamentos desenvolveram uma descoloração distinta cinza-ardósia ou cinza-púrpura que, assim como a argiria, não poderia ser facilmente desfeita.
Pigmentos da placa
Os pigmentos laranja, amarelo e vermelho exercem maior influência sobre a pele, e o laranja parece reinar supremo. Essa tonalidade, frequentemente associada à cenoura, batata doce e abóbora, vem dos carotenóides, uma classe de pigmentos encontrada naturalmente nas plantas.
Os pigmentos carotenóides são solúveis em gordura. Quando consumidos, são absorvidos no intestino delgado e transportados através de lipoproteínas na corrente sanguínea para serem armazenados principalmente em tecidos ricos em gordura, incluindo a camada subcutânea da pele. Este armazenamento confere à pele uma tonalidade dourada característica, principalmente quando alimentos ricos em carotenóides são consumidos em grandes quantidades.
Dos muitos carotenóides encontrados na natureza, o beta-caroteno é o protagonista: uma forte tonalidade laranja e alta “biodisponibilidade” – o termo usado para descrever a absorção do medicamento – tornam-no particularmente influente.
Os humanos metabolizam (decompõem) os carotenóides de forma seletiva. As enzimas nos intestinos e no fígado transformam o beta-caroteno em vitamina A, que é crucial para a visão, um sistema imunológico saudável e uma pele saudável.
Contudo, nem todo beta-caroteno ingerido sofre esta transformação. O excesso permanece na forma de pigmento e se deposita na pele, principalmente em áreas como palmas das mãos e solas dos pés, onde a camada mais espessa da pele destaca a presença do pigmento.
A razão pela qual a pele fica laranja está na estrutura química dos carotenóides. A composição molecular do beta-caroteno absorve a luz no espectro azul, refletindo a luz laranja de volta aos nossos olhos. Outros carotenóides, como a luteína e a zeaxantina (encontrados em vegetais de folhas verdes), que tendem para o amarelo, são menos visíveis porque são menos abundantes na dieta ou não são armazenados de forma tão proeminente na pele.
A pesquisa mostrou que uma dieta rica em carotenóides, que pode melhorar um brilho dourado saudável, é muitas vezes considerada mais atraente do que o bronzeamento induzido pelo sol. Mas moderação é fundamental. A marca de sucos dos anos 90, Sunny Delight, nunca se recuperou da polêmica das crianças Sunny D manchadas de laranja.
Pigmentos dietéticos naturais, como antocianinas, betalaínas e clorofila, oferecem muitos benefícios à saúde, mas raramente deixam marcas.
As antocianinas, encontradas em frutas vermelhas, repolho roxo e cenoura roxa, fornecem os vermelhos profundos, roxos e azuis que associamos a esses alimentos. Conhecidos pelas suas propriedades antioxidantes, são solúveis em água, o que significa que são rapidamente metabolizados e, portanto, é pouco provável que deixem marcas na pele.
Da mesma forma, as betalaínas, os pigmentos responsáveis pelos vermelhos e amarelos ricos, oferecem benefícios desintoxicantes e antiinflamatórios, mas são excretadas pelo corpo sem efeito visível no tom da pele. A ingestão excessiva pode, entretanto, causar alteração da cor urinária e fecal.
Esses contos coloridos carregam mais do que uma mensagem estética. Eles destacam o delicado equilíbrio necessário na nossa relação com as substâncias que ingerimos. Desde pigmentos saudáveis até consequências não intencionais, servem como um lembrete vívido de que, embora os alimentos possam ser medicamentos e transformadores, nós somos, literalmente, o que comemos.
A luz solar agrava o efeito desencadeando um processo chamado fotorredução, que transforma íons de prata em prata metálica ou compostos relacionados. Como resultado, as peles mais claras afetadas adotam uma coloração azulada ou acinzentada. E na pele morena e preta, a descoloração pode aparecer como um tom cinza mais escuro ou azul ardósia, criando efetivamente uma tatuagem inadvertida. (A conversa) NSA NSA